Acordei
para ler as páginas finais do conto, A festa de Babette, de Karen Blixen. As
imagens do filme dominaram a leitura. Aquelas imagens perfeitas, tão bem
construídas. Uma cena mais linda do que a outra. A saída dos velhinhos, fieis
do deão, após o jantar! Felizes, em estado de graça, depois do
prazer, do belo, do perfeito, das memórias esquecidas, do champanhe de
1860, tudo representado naquele jantar magnífico feito pela chef de cozinha do
LE CAFE ANGLAIS! Arte fluindo das mãos de um ser humano cujo único desejo está
tão bem descrito no conto: “ No mundo todo, um longo lamento é emitido pelo
coração do artista.. Permitam-me dar o máximo de mim!”
É
exatamente isso o que espero e o que sinto, quando vou busco arte!
Por que faço tanta questão de ir a uma exposição, a um concerto de música
clássica ou a um show de rock? Por que não me permito perder a mostra do
Sebastião Salgado e fico muito contrariada se isso acontece? Que felicidade foi
aquela ao me deparar com o Renoir no prédio perfeito do D’Orsay?
Quantas
vezes meu coração, meu corpo, pulsa de pura alegria ao realizar um sonho como o
de entrar na igrejinha da Pampulha e finalmente ver com os próprios olhos os
painéis de Portinari? Como me alegra ouvir essas mesmas experiências dos
amigos, das filhas, da mãe... Minha filha repetir mais uma vez, sorrindo, que
chegaram os ingressos para o concerto que ocorrerá na mesma casa onde cantou
Maria Callas ! Ou compartilhar um momento especial na vida da menina de 12/13
anos (?), chorando ao ouvir aquele solo de bateria do Led Zepellin! No vídeo,
na sala, ao vivo no coração que reconhece a arte e a entrega do músico.
Compreendo minha angústia de tantas vezes saber que, por inúmeros motivos, não
vamos, vamos perder, não aceitam o convite para ir ver aquele filme
extraordinário, aquela exposição imperdível, aquela escultura perdida no museu
que nunca ninguém vai ver... A perda, para mim, significa a perda da
oportunidade de, aqui na vida que vamos vivendo, nos transportarmos para uma
dimensão mais pura, mais leve, perfeita... para o lugar da arte. Lugar onde me
reconheço melhor, onde tenho certeza absoluta... eu sou melhor! Eles, os
artistas, ao expressarem o melhor de si, me dão a oportunidade de ser melhor. Me
purifico, não preciso morrer para ir ao céu, não preciso crer em algo... não
preciso, pois aquele momento de olhar, de ouvir, de sentir... me faz melhor. É
a compreensão, a esperança, o fim da tristeza e da angústia. É o momento da
fruição, da alma limpa. É o momento em que me liberto da criatura imperfeita
que sou. Das minhas mesquinharias e da minha pequenez, da minha pouca vontade
de ser!
Quando
estou diante de uma página literária perfeita, diante de um artista cujo único
desejo é a perfeição e, assim, “tornar as pessoas felizes”, como diz o conto,
sinto tanta alegria, é algo tão grande!
O que desejo nesta vida? O que
desejei todos os dias até agora? A beleza. De uma peça de teatro, de uma
partitura, do “Êxtase de Santa Tereza”. E desejo sempre mais. Não sendo
artista, não fazendo parte desse grupo de almas especiais, eu desejo sentir na
minha própria alma essa felicidade. Desejo, humildemente, ser feliz!
Fugazmente, ser feliz! E confesso, mesmo que não queiram, meu desejo, quase que
dolorido, é que todas as almas ao meu redor também sintam vontade de... buscar
a completude!
Até mais...