quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

A festa de Babette.



         Acordei para ler as páginas finais do conto, A festa de Babette, de Karen Blixen. As imagens do filme dominaram a leitura. Aquelas imagens perfeitas, tão bem construídas. Uma cena mais linda do que a outra. A saída dos velhinhos, fieis do deão, após o jantar! Felizes, em estado de graça, depois do prazer, do belo, do perfeito, das memórias esquecidas, do champanhe de 1860, tudo representado naquele jantar magnífico feito pela chef de cozinha do LE CAFE ANGLAIS! Arte fluindo das mãos de um ser humano cujo único desejo está tão bem descrito no conto: “ No mundo todo, um longo lamento é emitido pelo coração do artista.. Permitam-me dar o máximo de mim!”

             É exatamente isso o que espero e o que sinto, quando vou busco arte!

            Por que faço tanta questão de ir a uma exposição, a um concerto de música clássica ou a um show de rock? Por que não me permito perder a mostra do Sebastião Salgado e fico muito contrariada se isso acontece? Que felicidade foi aquela ao me deparar com o Renoir no prédio perfeito do D’Orsay?

            Quantas vezes meu coração, meu corpo, pulsa de pura alegria ao realizar um sonho como o de entrar na igrejinha da Pampulha e finalmente ver com os próprios olhos os painéis de Portinari? Como me alegra ouvir essas mesmas experiências dos amigos, das filhas, da mãe... Minha filha repetir mais uma vez, sorrindo, que chegaram os ingressos para o concerto que ocorrerá na mesma casa onde cantou Maria Callas ! Ou compartilhar um momento especial na vida da menina de 12/13 anos (?), chorando ao ouvir aquele solo de bateria do Led Zepellin! No vídeo, na sala, ao vivo no coração que reconhece a arte e a entrega do músico. Compreendo minha angústia de tantas vezes saber que, por inúmeros motivos, não vamos, vamos perder, não aceitam o convite para ir ver aquele filme extraordinário, aquela exposição imperdível, aquela escultura perdida no museu que nunca ninguém vai ver... A perda, para mim, significa a perda da oportunidade de, aqui na vida que vamos vivendo, nos transportarmos para uma dimensão mais pura, mais leve, perfeita... para o lugar da arte. Lugar onde me reconheço melhor, onde tenho certeza absoluta... eu sou melhor! Eles, os artistas, ao expressarem o melhor de si, me dão a oportunidade de ser melhor. Me purifico, não preciso morrer para ir ao céu, não preciso crer em algo... não preciso, pois aquele momento de olhar, de ouvir, de sentir... me faz melhor. É a compreensão, a esperança, o fim da tristeza e da angústia. É o momento da fruição, da alma limpa. É o momento em que me liberto da criatura imperfeita que sou. Das minhas mesquinharias e da minha pequenez, da minha pouca vontade de ser!

            Quando estou diante de uma página literária perfeita, diante de um artista cujo único desejo é a perfeição e, assim, “tornar as pessoas felizes”, como diz o conto, sinto tanta alegria, é algo tão grande!

O que desejo nesta vida? O que desejei todos os dias até agora? A beleza. De uma peça de teatro, de uma partitura, do “Êxtase de Santa Tereza”. E desejo sempre mais. Não sendo artista, não fazendo parte desse grupo de almas especiais, eu desejo sentir na minha própria alma essa felicidade. Desejo, humildemente, ser feliz! Fugazmente, ser feliz! E confesso, mesmo que não queiram, meu desejo, quase que dolorido, é que todas as almas ao meu redor também sintam vontade de... buscar a completude!

  Até mais...

domingo, 14 de julho de 2013

"A poesia me pega com sua roda dentada"

O exercício foi proposto pelo professor E. M. de Melo e Castro. Deveríamos ir à biblioteca da faculdade e descobrir definições de poesia. Encontrei esse verso - A poesia me pega com sua roda dentada - no poema Sedução, de Adélia Prado. Faz muito tempo e sempre me lembro dele. Principalmente em momentos como os que tenho vivido nas últimas semanas. 

Estive na mesa divertidíssima da Flip com os poetas Francisco Alvin, Zuca Sardan e Nicolas Behr. Histórica, para não dizer mais. A Suellen me enviou o link com a íntegra da leitura de Fernando Pessoa feita por Cleonice Berardinelli e Maria Bethânia. A leitura do meu poema predileto - Poema em linha reta - me deixou assim comovida demais.




Tenho ido a uns saraus e tenho gostado. Acredito no direito à palavra. Alguns me irritam porque não tem a mínima consideração por ela, outros me emocionam.

É a segunda vez que vejo os poetas da Cooperifa e me entusiasmo.  Textos muito fortes, que conseguem mover algo mais que uma simples emoção barata. 

Assim tem sido. Até faço graça. Aos amigos, posso pedir que ouçam...

I
Musa antiga
moderninha
tuíta glosa rima
alexandrinos na rede.

II
Cedo
sediado na web
minhas rimas pobres
metafóricas cenas sentimentais

III
Sarau
Poetas um a um
numa coreografia
de sons, cenas, sonhos
sussurram novidades ancestrais
- a poesia e seus ais!

IV
Burburinho de crianças na piscina
emolduram o poema
ora com felicidade ora com surpresa

V
Alegria, alegria
Domingo no sarau
Vendo a poesia, ficar.

É isso amigos, até mais.



sábado, 29 de junho de 2013

... eles são assim.

Meus amigos são assim:

Tiveram aulas com
Florestan Fernandes
Paulo Freire
Capellato
Chauí
Bosi
Antonio Candido

Foram aos festivais de Artes em Ouro Preto
Fazem traduções simultâneas

São juradas de prêmios literários
Orientam trabalhos na universidade
Voltam como alunos, ansiosos, para a sala de aula

Encenam Beckett

Choram nas palestras, enquanto falam a respeito de Morte e Vida Severina

Esquecem todos os diários no metrô
Lutam pela alfabetização plena dos alunos em sala de aula
Transformam as bibliotecas escolares em espaços vivos

Declaram sua opinião

Não furam a fila do ônibus
Compartilham a leitura
Sabiam e sabem de onde vem seus alunos

Dançam e amam divinamente
Escrevem poesia de verdade

Sonham com viagens
Mudam de cidade, ensinam em outros países, largam o emprego

Andam
Andam
Andam
Pintam e bordam de verdade

Eles são assim...


http://www.youtube.com/watch?v=ji98FSIIfhw



Até mais,









domingo, 23 de junho de 2013

Faz tempo...

Seis meses? É mesmo? Tudo Isso?


Quase não percebi... a última postagem foi em 21 de janeiro. Tive muitas vontades de escrever. Gente que me emocionou, vozes que me levaram de volta ao tempo de estudante, encontros e experiências, mas não escrevi.

E então, hoje ao ler o e-mail da Ana, resolvi colocar aqui uns tópicos:

1- Fui mais uma vez ao sarau e escrevi:

Safo I
Sátiro
deixa
safa
a ilha
a moça
a mão
a uva
num quadro renascentista.

Safo II
o moço
saca tudo
a roupa toda
e ela entende
a sacada
e do lado de lá
outra sacada
a moça goza

Safado e Safada
sozinhos em pé
no banheiro apertadinho
brincam
safado e safada
tremem de medo
na hora escondida
safado e safada
experimentam, jogam
preparam uma vida gozada.
Vênus, Cupido e Sátiro, de Angelo Bronzino

2- Não quero falar desses movimentos e de tantas opiniões diferentes! Não aqui!

3- Estou feliz com as minhas filhas viajando... elas merecem. Todos merecemos, mas elas merecem mais e pronto!

4- Amei Infância, de Graciliano Ramos. Minha edição da Martins Fontes foi encontrada no sebo, tem capa de Clóvis Graciano e selo da Livraria Mestre Jou. A leitura começou cheia de encantos...

" E tomei coragem, fui esconder-me no quintal, com os lobos, o homem, a mulher, os pequenos, a tempestade na floresta, a cabana do lenhador. Reli as folhas já percorridas. E as partes que se esclareciam derramavam escassa luz sobre os pontos obscuros. Personagens diminutas cresciam, vagarosamente me penetravam a inteligência espessa. Vagarosamente." (cap. Os astrônomos)

5- Proust e Baudelaire estão ao lado da minha cama, bem à mão!

6-O que será, que será?

7- Imprimi uma mensagem da cabala. Lembrei das lições da minha mãe...

8- Vou ficar uma semana sozinha, mas comprei frutas e fiz verduras. Acho que estou amadurecendo...

9- Na tonga da mironga do kabulete.http://www.youtube.com/watch?v=5ztsdAuILZ8

10- Não é muito melhor do que aquele outro tipo de música?

Beijos,


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Nada além...


 Já contei que minha primeira viagem teatral foi ao "Labirinto: Balanço da Vida", em 1975? Já. Eu vivo falando disso. Antes, havia ido ao teatro com a escola, o que era muito bom. Mas, a primeira experiência de escolher o espetáculo, comprar as entradas, combinar os horários de ida e volta; ver, absolutamente encantada, o grande ator Walmor Chagas e voltar para a Penha, certa de que a vida era maravilhosa, foi deslumbrante. A imagem dele, todo de branco, entrando em cena e dizendo aqueles textos, poemas e excertos, com a voz forte, articulada, sem que nenhuma sílaba ficasse perdida ou inaudível, nos transportava a um outro nível de sensibilidade. Poetas brasileiros, portugueses, franceses... o elenco literário de que já ouvira falar em sala de aula, estava ali, vivo e soando por toda a sala de espetáculo. 
Alguns anos depois, em 2005, uns bons anos de leitura e teatro, marquei mais um encontro. No Centro Cultural Banco do Brasil, fui ver "Um homem indignado", com um texto autoral, forte, contundente (para usar um adjetivo bem comum, inquestionável). A indignação contagiava a platéia, e me contagiava tão fortemente, uma vez que eu, agora, madura, sentia e sinto essa indignação quase todos os dias. Contra tanta bobagem, tanta mediocridade e falta de educação, aquele texto explodia na sala.

– A indignação do meu personagem é porque ele é do tempo em que o conhecimento vinha da literatura. Agora, parece que a civilização se infantilizou, a imagem é o que vale. [...] Os reality shows valorizam apenas as pessoas, não o que fazem e por que fazem, disse o ator em entrevista na época.( Zero Hora, 19/01/2013)

                                       (foto do http://blogdoorlando.blogosfera.uol.com.br/)



Como me sinto feliz, quando encontro alguém que traduz o sinto e penso... o texto, a atuação, a melodia, toda a arte que me completa. Toda a experiência que me sensibiliza. É assim que ainda consigo me sentir humana. Uma boa conversa, um sábado no cinema, uma peça de teatro, um parágrafo.

 "Nada além de uma simples ilusão
.....................................................
Eu não quero e não peço
Para o meu coração
Nada além de uma linda ilusão."

(Mário Lago)


 Obrigada, mais uma vez...

http://www.youtube.com/watch?v=CYNRvd0tqmE



terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Cárcere privado no Majestic

"(...) Quarta-feira à noite, meu tio Constantino juntava os amigos na cozinha para ouvir O crime não compensa, programa da Rádio Record que dramatizava as peripécias dos criminosos mais temidos da cidade.
De calça curta, eu ouvia com a respiração presa nas aventuras de Sete Dedos, Amleto Meneghetti, Boca de Traíra, Massacre, Pereira Lima, Jorginho e Promessinha, invariavelmente mandados detrás das grades pela diligente polícia paulistana, para provar que de fato a vida no crime não valia a pena.
A licenciosidade do tio que me permitia aquela intromissão no mundo adulto fazia de mim o centro das atenções da molecada no dia seguinte. Eu relatava as histórias nos mínimos detalhes, auscultando as reações da platéia à descrição das fugas espetaculares do italiano Meneghetti feito gato pelos telhados, da destreza de Sete Dedos ao invadir casas alheias de madrugada sem acordar a família e da perversidade atribuída a Massacre, que perguntava se a vítima preferia tiro ou beliscão, dado com alicate no umbigo dos que optavam pela segunda alternativa." (Os carcereiros, de Drauzio Varella)

"(...) Malborough tentou encorajar Proust a sair da sua existência de inválido recomendando-lhe as técnicas de auto-ajuda de Émile Coué, farmacêutico  francês que se transformara em psicólogo popular. Coué dizia que as pessoas poderiam melhorar usando um método de auto-sugestão consciente, em especial pela repetição vinte vezes ao dia da frase: "Dia a dia, hora a hora, fico cada vez melhor." (...) A fórmula não funcionou com Proust..." (Uma noite no Majestic, de Richard Davenport-Hines)

Das muitas páginas que li, escolhi estes dois trechinhos, primeiro porque estava com vontade de escrever um pouco, depois porque gostei do que eles me fizeram lembrar.

Minha mãe sempre fala que fulano é como o Promessinha... só promete e não cumpre nada! E o tal Promessinha existiu mesmo... delinquente dos anos 50, bem quando ela chegou a São Paulo, lá de Santa Gertrudes, moça recém casada. Deve ter ouvido falar dessas mesmas personagens citadas pelo Drauzio. E o nome foi se transformando em adjetivo!

 Ah! Este aqui, não é o Promessinha, de quem não achei nenhuma imagem. É o famoso Meneghetti! 

Gostei do trecho por isso e, é claro, porque gostei muito do livro. Esse epísódio do menino, ouvindo rádio e criando a possiblidade da ficção, é uma delícia. Não é assim mesmo? Ouvimos histórias e criamos as nossas versões, mais cheias de emoção, com mais paisagens, com uma vida que nos pertence e a mais ninguém!




O trecho que grifei do Uma noite... me fez rir. Sempre a mesma coisa, não é? Proust resolve que quer ficar no seu apartamento, escrevendo, escrevendo... só no café au lait, e vem o amigo com a salvação! Deste trecho também vem uma lembrança da minha mãe! Ela tinha uma gravura com a frase : "Hei de vencer!", bem na cabeceira da cama. E adorava ouvir o Omar Cardoso começar seu programa sobre astrologia com a máxima: "Todos os dias, sob todos os pontos de vista, estou cada vez melhor!"

Lembranças que se encadeiam nas minhas leituras malucas, que escolho, conforme o dia, me dão, cada vez mais, a certeza de que "Eu sou eu, foi minha mãe que me fez assim. Quem quiser, que me faça outra, se achar que estou ruim" Ah, ah, ah...