segunda-feira, 5 de maio de 2014

A Sinfonia n.º 3 de Mahler e eu.



Deixei passar o tempo, só um pouco, para escrever a respeito da minha alegria. Após o concerto, abracei, apresentei, fiz o social, fui a “mãe da noiva”. Não, ela não casou. Não com um namorado, noivo, pretendente, nada disso. Ela casou há tempos com a música. Ela ouve, compra cds, dvds, partituras. Vai a um bairro afastado em Buenos Aires para encontrar um colecionador - que conheceu em uma dessas comunidades de malucos por ópera - de lembranças da grande Maria Callas. Ela começou a ter aulas faz bastante tempo em uma escola municipal. Cantava no coral a música da jabuticaba no chão! E cantava, cantava... Participou de coral do Sesc. Arrumou um professor de canto lírico que era líder de uma banda de rock! Conheceu a professora cantora do Coral Lírico Municipal que era, por sorte do destino, quase nossa vizinha. Seguiu uma interprete famosa... viajou para ver um show. Trocou informações, figurinhas, amigos. Tem um quarto que é conhecido por aqui como “a hora da zona morta” porque nele tem de tudo um pouco – maquiagem, echarpes, leques, uma estante para partituras, um teclado - tudo ali dialoga com a paixão maior – a música. Melhor dizendo com o canto. Acordo e ouço uma voz dos anos trinta, cantando alto em minha casa. Outra hora é um velho filme americano em que são personagens centrais Jeanette MacDonald e Nelson Eddy. Vem mãe, é o Réquiem, de Verdi! Vou. Também fico emocionada. A música faz parte da minha vida. Há pouco era 1974 e eu fui visitar meu pai em Brasília. Fiz visitas aos palácios, subi a torre para apreciar a paisagem e, como já havia combinado com a amiga, comprei os ingressos para a Abertura Solene Para o Ano de 1812, de Tchaikovsky, que seria apresentada no ginásio de esportes. Regência de Isaac Karabtchevsky. Não é preciso, mas faço questão de dizer que a emoção foi tão intensa, tão intensa que ainda me faz ansiosa, feliz e surpresa, quando falo a respeito. O maestro jovem, bonito, de cabelos pretos; a energia da regência, a ânsia pelo tema de La Marseillaise, pelos fabulosos tiros de canhão e todos aqueles sinos... estão tão vivos. Uma experiência musical feita para uma multidão. Hoje, se pensar muito a respeito, posso até dizer racionalmente que a encomenda feita para a comemoração daquele sete de setembro tinha uma intenção bem pouco ética ou artística. Afinal havia um governo militar e... mas, eu não posso deixar de sentir o que senti. Emoção estética. Arrebatamento. Alegria da beleza. Eu já tinha o hábito de ir a concertos e, apaixonada, sempre que o maestro Isaac Karabtchevsky regia, eu procurava estar lá. Projeto Aquarius. Orquestra Sinfônica Brasileira.
Se acontecia em São Paulo, eu estava lá. E então, ontem mesmo eu me sento na Sala São Paulo para acompanhar a Orquestra Sinfônica de Heliópolis, da qual é diretor o senhor de 80 anos, o maestro Karabtchevsky. Me sento, acompanhada de amigos, para vê-lo regendo a Sinfonia n.º 3 de Mahler, em que no coral que entra no 5º movimento está ela. A filha, aquela que canta dia e noite, aquela que ouve dia e noite infindáveis trinados das melhores e mais incríveis interpretes de ópera. Aquela que me presenteou com o Cd da Sinfonia n.º 2 – Ressurreição, de Mahler, porque é uma das que mais me emocionaram em minhas idas aos concertos. Não, eu não sou conhecedora como ela. Tenho com a música uma relação mais emocional do que de conhecimento. Mas uma coisa eu conheço bem... conheço bem a alegria que senti, conheço bem as batidas do meu coração, conheço bem a certeza de que a vida interpreta e religa as emoções. O tempo engendrou essa certeza. Somos mãe e filha ligadas pela batuta das possibilidades musicais.