quarta-feira, 30 de setembro de 2015
Boba!
Das Vantagens de Ser Bobo, de Clarice Lispector
O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando."
Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia.
O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os veem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.
Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranquilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.
Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?"
Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!
Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.
O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás, não se importam que saibam que eles sabem.
Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!
Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.”
quinta-feira, 10 de setembro de 2015
O horror! O horror! ou de como estamos perdendo a noção...
Quase todos meus amigos contam
histórias assim...
Alguém chega ao restaurante, escolhe
uma mesa, escolhe no cardápio o que comer e beber e, enquanto espera, tira o
sapato, esfrega um pé no outro... na maior!
Na sala de concerto o senhor acha
que tudo bem levar uma latinha de refrigerante e comer uns salgadinhos. E não
tem nada de mais as moças falarem alto durante a récita. Parece que elas estão
na sala de estar na própria casa
As pessoas praticamente terminam
suas abluções (dedico esta palavra a todos os amigos que amam a língua
portuguesa) entre a estação Conceição e a estação Sé do metrô. Isto é, fazem o
make-up, trocam os sapatos, penteiam os cabelos... acho que falta pouco para eu
ver alguém escovando os dentes.
Então, outro dia, no ônibus,
entra a menina lindinha de rabo de cavalo, óculos escuros e celular à mão: “
não aguento mais gente sem educação, não suporto fulano que fala ” tal e coisa,
coisa e tal... falou, falou... falou...
falou... e sentou-se ao meu lado. Estávamos naqueles bancos de bobos... e, não
deu outra! Ela colocou suas tamancas (ou melhor, suas botas sujas) em cima do
banco da frente. Sujou, não pensou no outro que viria sentar-se ali. Mas ela “não
suporta gente mal educada”!
Ontem, um cara abriu uma pomada e
passou na orelha, enquanto uma louca discutia com seu microfone pendurado se o
cara, do outro lado da linha, era ou não safado, mas mesmo assim ela “gosta
dele”, enquanto a trilha sonora – alta e sonora – era um funk (juro que não sei
de qual gênero).
Agora o horror foi a moça sentada
em frente à lanchonete mais popular do meu bairro, em um banco gentilmente
oferecido aos clientes que esperam o carro, abrindo – escancarando – a camisa
branca e literalmente amigos... espremendo seus cravinhos da região do colo. Ou
melhor ela quase estava com os peitões de fora, cutucando o vão entre eles,
espremendo sei lá o quê!
É isso... o horror! O horror!
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