Todos os amigos sabem. Tenho relido Machado, acompanhada da mãe. Ela lê no Kindle, com letras grandes, para não cansar a vista de 91 anos; eu, na minha edição Aguilar, comprada em suaves prestações mensais, na década de 80, do livreiro português que vendia de escola em escola. Dadas essas informações, digo que já estamos no Dom Casmurro. Acabamos, nesta semana, o Quincas Borba.
Das leituras compartilhadas, sempre vem um conversa ao telefone, às vezes, rápida, emocionada, reflexiva. Para ela, no calor da hora, as personagens são vivas, aliás, vivíssimas. A pobre Helena, vítima de uma vida de mentiras. Ela me diz: Por que não se falou toda a verdade? Por que mentir assim? Coitada, morreu de tristeza. A Sofia e o Palha foram sumamente sentenciados como falsos, sem-vergonhas, aproveitadores e outros adjetivos menos publicáveis.
A loucura do pobre Rubião e sua morte foram causas de lágrimas ao telefone. Enquanto falava do final do romance, minha mãe ficou silenciosa, de repente, senti que ela estava chorando. Imaginei a comoção das últimas linhas... o desvario, o abandono, a morte solitária;
Mas, teve um aspecto em Quincas Borba. que nos tocou de maneira especial. O próprio Quincas Borba - o cão - e sua trajetória de perda, abandono, dedicação.
Tanto minha mãe, quanto eu sentimos a tristeza do cachorro de Rubião. Primeiro, vindo como herança, quase deixado de lado, se não fosse a cláusula de testamento. Depois, o abandono dentro da casa, esquecido, trocado pelas ilusões da sociedade. A ilusão de Rubião, ao dar ao cão, o pensamento do filósofo. Largado dentro do quarto, ao fim do romance, enquanto Rubião é levado à casa de saúde. Finalmente, o acompanhando em fuga para Barbacena.
Quincas Borba tem uma morte triste, suja, magra...
Nós duas ficamos tocadas com a história do cão.
Essa emoção vem agora, depois de termos tido nossa própria experiência na companhia da nossa querida Sofia - a vira-lata que nos amou, durante os últimos 10 anos.
Já escrevi a respeito dela aqui, marcando o momento triste de sua morte.
Ler o romance Quincas Borba, tem agora um aspecto a mais. Não é análise de personagens, não é a surpresa da presença do filósofo, na figura do cão. Não é só prestar atençao ao coadjuvante de Rubião, que ornamenta a narrativa.
É o reconhecimento da presença amorosa, companheira, alegre de um cão.
É, talvez, compreender melhor o relacionamento entre Rubião e Quincas Borba, o cão.
É, talvez, sentir mais profundamente as tristezas do cão, Quincas Borba.