quinta-feira, 18 de novembro de 2021

A menina daqui.

Poderia ser a menina de lá, de Guimarães Rosa.

Poderia ser a menina-amante com seu livro, de Clarice Lispector.

Poderia ser a menina Virgínia, em Ciranda de Pedra, de Lygia Fagundes Telles

Poderia ser a Clarissa, de Erico Veríssimo.

Até a Narizinho, de Monteiro Lobato ela poderia ter sido.

Mas não foi, não é, não será.

Só um único traço linguistico resgatou a menina que havia nela.

-inho.

Docinho, paizinho, bonequinho, bonitinho, "pequeninha"?

Nada disso.

Rabinho

Nem rabicó, nem rabicho.

Rabinho

Vulgar, duro, cruel.

O traço marcado a dinheiro, abandono, crueldade de uma infância vilipendiada, humilhada e ofendida. 

Lemos juntas, ontem, o conto que abre o livro Anos de Chumbo, de Chico Buarque. 

Não a adianta querer mais Chico, ditadura militar ou um pouco de Machado de Assis.

O que ele nos dá é uma narrativa dura. Dói e quase não dói de tão dolorida. Como aquelas dores que, de tão profundas, deixam de ser sentidas.

Fala a menina daqui, a menina que ainda tem um prosódia infantil, na repetição de fórmulas narrativas típicas das menininhas, a menina deslumbrada com o lanche do mac, a coca gelada, o biquini amarelinho tão pequenininho, a série de tv.

Fala a menina absolutamente normalizada no abandono, na zona do meretrício infantil em que muitas meninas são jogadas nessa patria amada.

É um conto. Uma ficção. Só isso nos salva.

Estamos aqui em nossa sala, lendo uma ficção. Só isso nos salva.

O livro tem capa dura. Só isso nos salva.

Foi o Chico que escreveu. Só isso nos salva.

Só isso nos salva.

É isso, amigos!