Poderia ser a menina de lá, de Guimarães Rosa.
Poderia ser a menina-amante com seu livro, de Clarice Lispector.
Poderia ser a menina Virgínia, em Ciranda de Pedra, de Lygia Fagundes Telles
Poderia ser a Clarissa, de Erico Veríssimo.
Até a Narizinho, de Monteiro Lobato ela poderia ter sido.
Mas não foi, não é, não será.
Só um único traço linguistico resgatou a menina que havia nela.
-inho.
Docinho, paizinho, bonequinho, bonitinho, "pequeninha"?
Nada disso.
Rabinho
Nem rabicó, nem rabicho.
Rabinho
Vulgar, duro, cruel.
O traço marcado a dinheiro, abandono, crueldade de uma infância vilipendiada, humilhada e ofendida.
Lemos juntas, ontem, o conto que abre o livro Anos de Chumbo, de Chico Buarque.
Não a adianta querer mais Chico, ditadura militar ou um pouco de Machado de Assis.
O que ele nos dá é uma narrativa dura. Dói e quase não dói de tão dolorida. Como aquelas dores que, de tão profundas, deixam de ser sentidas.
Fala a menina daqui, a menina que ainda tem um prosódia infantil, na repetição de fórmulas narrativas típicas das menininhas, a menina deslumbrada com o lanche do mac, a coca gelada, o biquini amarelinho tão pequenininho, a série de tv.
Fala a menina absolutamente normalizada no abandono, na zona do meretrício infantil em que muitas meninas são jogadas nessa patria amada.
É um conto. Uma ficção. Só isso nos salva.
Estamos aqui em nossa sala, lendo uma ficção. Só isso nos salva.
O livro tem capa dura. Só isso nos salva.
Foi o Chico que escreveu. Só isso nos salva.
Só isso nos salva.
É isso, amigos!