segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Nada além...


 Já contei que minha primeira viagem teatral foi ao "Labirinto: Balanço da Vida", em 1975? Já. Eu vivo falando disso. Antes, havia ido ao teatro com a escola, o que era muito bom. Mas, a primeira experiência de escolher o espetáculo, comprar as entradas, combinar os horários de ida e volta; ver, absolutamente encantada, o grande ator Walmor Chagas e voltar para a Penha, certa de que a vida era maravilhosa, foi deslumbrante. A imagem dele, todo de branco, entrando em cena e dizendo aqueles textos, poemas e excertos, com a voz forte, articulada, sem que nenhuma sílaba ficasse perdida ou inaudível, nos transportava a um outro nível de sensibilidade. Poetas brasileiros, portugueses, franceses... o elenco literário de que já ouvira falar em sala de aula, estava ali, vivo e soando por toda a sala de espetáculo. 
Alguns anos depois, em 2005, uns bons anos de leitura e teatro, marquei mais um encontro. No Centro Cultural Banco do Brasil, fui ver "Um homem indignado", com um texto autoral, forte, contundente (para usar um adjetivo bem comum, inquestionável). A indignação contagiava a platéia, e me contagiava tão fortemente, uma vez que eu, agora, madura, sentia e sinto essa indignação quase todos os dias. Contra tanta bobagem, tanta mediocridade e falta de educação, aquele texto explodia na sala.

– A indignação do meu personagem é porque ele é do tempo em que o conhecimento vinha da literatura. Agora, parece que a civilização se infantilizou, a imagem é o que vale. [...] Os reality shows valorizam apenas as pessoas, não o que fazem e por que fazem, disse o ator em entrevista na época.( Zero Hora, 19/01/2013)

                                       (foto do http://blogdoorlando.blogosfera.uol.com.br/)



Como me sinto feliz, quando encontro alguém que traduz o sinto e penso... o texto, a atuação, a melodia, toda a arte que me completa. Toda a experiência que me sensibiliza. É assim que ainda consigo me sentir humana. Uma boa conversa, um sábado no cinema, uma peça de teatro, um parágrafo.

 "Nada além de uma simples ilusão
.....................................................
Eu não quero e não peço
Para o meu coração
Nada além de uma linda ilusão."

(Mário Lago)


 Obrigada, mais uma vez...

http://www.youtube.com/watch?v=CYNRvd0tqmE



terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Cárcere privado no Majestic

"(...) Quarta-feira à noite, meu tio Constantino juntava os amigos na cozinha para ouvir O crime não compensa, programa da Rádio Record que dramatizava as peripécias dos criminosos mais temidos da cidade.
De calça curta, eu ouvia com a respiração presa nas aventuras de Sete Dedos, Amleto Meneghetti, Boca de Traíra, Massacre, Pereira Lima, Jorginho e Promessinha, invariavelmente mandados detrás das grades pela diligente polícia paulistana, para provar que de fato a vida no crime não valia a pena.
A licenciosidade do tio que me permitia aquela intromissão no mundo adulto fazia de mim o centro das atenções da molecada no dia seguinte. Eu relatava as histórias nos mínimos detalhes, auscultando as reações da platéia à descrição das fugas espetaculares do italiano Meneghetti feito gato pelos telhados, da destreza de Sete Dedos ao invadir casas alheias de madrugada sem acordar a família e da perversidade atribuída a Massacre, que perguntava se a vítima preferia tiro ou beliscão, dado com alicate no umbigo dos que optavam pela segunda alternativa." (Os carcereiros, de Drauzio Varella)

"(...) Malborough tentou encorajar Proust a sair da sua existência de inválido recomendando-lhe as técnicas de auto-ajuda de Émile Coué, farmacêutico  francês que se transformara em psicólogo popular. Coué dizia que as pessoas poderiam melhorar usando um método de auto-sugestão consciente, em especial pela repetição vinte vezes ao dia da frase: "Dia a dia, hora a hora, fico cada vez melhor." (...) A fórmula não funcionou com Proust..." (Uma noite no Majestic, de Richard Davenport-Hines)

Das muitas páginas que li, escolhi estes dois trechinhos, primeiro porque estava com vontade de escrever um pouco, depois porque gostei do que eles me fizeram lembrar.

Minha mãe sempre fala que fulano é como o Promessinha... só promete e não cumpre nada! E o tal Promessinha existiu mesmo... delinquente dos anos 50, bem quando ela chegou a São Paulo, lá de Santa Gertrudes, moça recém casada. Deve ter ouvido falar dessas mesmas personagens citadas pelo Drauzio. E o nome foi se transformando em adjetivo!

 Ah! Este aqui, não é o Promessinha, de quem não achei nenhuma imagem. É o famoso Meneghetti! 

Gostei do trecho por isso e, é claro, porque gostei muito do livro. Esse epísódio do menino, ouvindo rádio e criando a possiblidade da ficção, é uma delícia. Não é assim mesmo? Ouvimos histórias e criamos as nossas versões, mais cheias de emoção, com mais paisagens, com uma vida que nos pertence e a mais ninguém!




O trecho que grifei do Uma noite... me fez rir. Sempre a mesma coisa, não é? Proust resolve que quer ficar no seu apartamento, escrevendo, escrevendo... só no café au lait, e vem o amigo com a salvação! Deste trecho também vem uma lembrança da minha mãe! Ela tinha uma gravura com a frase : "Hei de vencer!", bem na cabeceira da cama. E adorava ouvir o Omar Cardoso começar seu programa sobre astrologia com a máxima: "Todos os dias, sob todos os pontos de vista, estou cada vez melhor!"

Lembranças que se encadeiam nas minhas leituras malucas, que escolho, conforme o dia, me dão, cada vez mais, a certeza de que "Eu sou eu, foi minha mãe que me fez assim. Quem quiser, que me faça outra, se achar que estou ruim" Ah, ah, ah...