Eu gosto de escrever e espero ter um motivo, causa, razão ou
circunstância para começar um texto. Não faço como os bons escritores que
escrevem todos os dias, treinam, mantém diários, leem muito. Bom, eu leio, mas
não tenho ilusões bobas a respeito do meu texto.
Fui muito bem educada, na FFLCH-USP, para saber separar o
joio do trigo. * Que me perdoem os professores se uso de muitos clichês...
De vez em quando, aparece a tal razão... o tal motivo e a circunstância
adequada.
Fui ao Poupatempo Sé para renovar a carteira de motorista.
Aproveitei para uma caminhada rápida da Sé até a estação São Bento. Queria
caminhar, entrar na Rua Direita, escolher se seguia direto pela São Bento ou se
dava escapada até o largo São Francisco. Sabe aquele ponto em que você está em
frente ao José Bonifácio e fica na dúvida de sobe ou desce?
Comecei pela passagem da Estação da Sé, atravessei a praça,
na esquina da Unesp, fui descendo pela calçada maltratada e resisti à compra de
um fio de ovos na La Romana. Uma árvore, feia, preta de fuligem me viu muitas
vezes entrar ali e comprar pão italiano, um pedaço de torta de ricota e fio de
ovos para minha mãe. Ela me viu menina, aos sábados, passeando com o pai. Sábado
era o dia do pai. Ele, amante da cidade, nos levava por todo o centro.
Lembrei da adolescente, vinda da Penha, procurando livros na
Ornabi, em que me divertia na escadinha pequena que nos levava até o corredor
de cima, com livros e descobertas incríveis que poucas vezes couberam no meu
orçamento; na Gazeau, lugar de onde ainda me vem à lembrança do cheiro forte do
terno do sr. Gazeau, seus cabelos brancos e óculos grossos, comprando aquela
Cruzeiro especial sobre a morte do Kennedy ou revistas estrangeiras que
falassem a respeito dos Beatles. Tinha o projeto de ser colecionadora
beatlemaníaca, o que não fui. E um pouco mais velha, comprando revistas
italianas, na esperança de melhorar o vocabulário, durante o curso na Casa di
Dante.
Essa lembrança me valeu a noite de segunda, procurando
histórias das antigas livrarias do centro de São Paulo... só por puro prazer de
recordar. Ah, eu tinha visto episódio ‘Livreiros’...
‘Na rua Direita, do lado direito’ já não é tão interessante
assim... por isso, dei uma olhadinha na Casa da Francisca, à esquerda, que
preserva o prédio onde meu pai comprava as partituras para cantar com minha
mãe, antes da separação... nos dias felizes do casal.
Em frente ao Bonifácio, dei só uma rápida escapada até a Casa
Califórnia, para verificar se no balcão restam alguns sanduíches de sardinha...
mas, não vi nada. O balcão mais moderno e as mocinhas que atendem não me
chamaram a atenção, nem para pedir meu suco de tamarindo, que acompanhava o lanche
de linguiça de Bragança com o dinheiro contado, nos dias de
cinema, Municipal ou Biblioteca Mario de Andrade.
Lá que fui rumo a São Bento... a Casa Fretin não é mais a
Casa Fretin. Fiz meu primeiro par de óculos lá! Fiz questão... sou uma pessoa
de fazer algumas questões. Comprei óculos na Fretin, guarda chuva na São Bento,
perto da Casa Califórnia... o melhor. Sapato, na Galo Branco; remédio da Botica
Veado d’Ouro; a Olivetti, no Mappin. Sou assim... fazer o quê?
Não passei pela Igreja, nem esperei as badaladas do
relógio... às vezes, temos de abrir mão de alguns prazeres, para que o
cotidiano se conclua.
Voltei com vontade de escrever... peguei uma gripe, fiquei
de cama, tomei canja, remédio, inalação. A vontade teve de esperar.
Qual a causa, motivo, razão ou circunstância desse texto? A
árvore preta, suja de fuligem, a calçada maltratada da Praça da Sé. Foi ela que
me inspirou. Um olhar de soslaio ( hahaha ) e veio o desejo de escrever! Pobre
árvore, além de tudo o que sofre, precisa sofrer no texto de uma aspirante a
cronista.