Deste mesmo endereço, eu saía
toda manhã, para ir ao grupo escolar. Tomava café, comia o pão com margarina
Saúde.
Um dos episódios de que me lembro
bem, desta passagem alegre pela feira, foi o dia em que, finalmente, ganhei um
pedaço de linguiça defumada, para juntar ao meu lanche daquele dia feliz! Eu
sempre passava pela barraca dos queijos e linguiças, quase sonhando, quase
sendo levada por aquele perfume defumado e gostoso de coisas impossíveis de
ter. O dono da barraca deve ter percebido que aquele dia, em especial, eu
estava com uma vontade danada. Ele, gentilmente, corta um gomo daquela
gostosura e me dá de presente. Sai dali, pulando feito um cãozinho feliz, com a
cauda abanando, mostrando a todo mundo que eu tinha ganhado um premio e tanto.
Hoje, pensando neste texto que
escrevo agora, imaginei que se ele deu aquele pedaço de iguaria, sem pensar, só
por dar, ou se ele pensou “coitadinha, parece um cãozinho faminto”... não fez a
mínima diferença. Eu estava mesmo, como um cãozinho feliz e acho que essa é uma
das expressões mais perfeitas de felicidade. Escrevo isso, de coração leve...o
que aliás, sempre tive em relação a essa infância, aparentemente difícil.
Na “rua de trás” ficava a venda
do japonês que vendia na caderneta. Quantas vezes, ele quebrou o galho das
mulheres da Rua Corondá. Quantos litros de óleo de tambor vendeu, para que
fritássemos os ovos das patas e galinhas que tínhamos em casa. Que trato
comercial fabuloso era aquele. No começo do mês, todas as mães iam à vendinha
do japonês pagar a conta. Às vezes saldando tudo; às vezes, deixando um
restinho para o mês que vem.
Quando no sábado de ver o pai,
meu pai me dava uma mesadinha, a primeira coisa que fazia, na segunda feira,
era passar na venda do japonês e pedir um lanche para levar à escola. Ouço,
perfeitamente, a serra da faca, passando naquele filão tostadinho que acabara
de chegar à venda. O filão era posto na vitrine, forrada de papel marrom, cheia
de migalhas. Ele serrava o pão e eu já ficava alegre, porque, em seguida, vinham
as fatias de mortadela! Sem a marca, que hoje parece fazer tanta diferença. Era
uma mortadela untuosa, vermelhinha, cheirosa. E como combinava com aquele pão!
Na escola, às vezes tinha pão com
carne moída ou arroz doce quentinho e com canela – ou será que era só o perfume
da canela que me inebriava? Hora do recreio, hora em que víamos a diferença de
classe. Lanches bem embrulhados, saindo de belas lancheiras de metal. Lanches simples,
saindo de lancheiras de plástico. Sucos de laranja, laranjadas bem clarinhas e
muito doces. Um docinho de sobremesa... um nada que dava água na boca.
No tempo seguinte da minha
infância, no tempo da Rua Heloísa Penteado, rua de nome bonito, as lembranças
de um lanche de bife à milanesa, na tarde de domingo, sempre me acompanharão. A
mãe da amiga de quintal, dona do nosso cômodo e cozinha era quem preparava esse lanche
divino. Ela também nos abastecia com as sobras da semana. Como cozinhava bem
nossa locadora! Quantas vezes, vinham docinhos de uma festa em que não estive,
quantas vezes vinham pedaços de torta do café da tarde! Tudo uma delícia!
A lata de brigadeiro na casa do
meu amigo de classe na quinta série! Inesquecível! Ele era o menino mais bonito
da sala e eu me lembro de quando fomos visita-lo, porque ficou acamado com
hepatite. Quando tivemos permissão da visita, a mãe para nos agradar, nos
ofereceu brigadeiro, saindo de uma lata enorme. Eu ficava só pensando, quem faz
tanto brigadeiro só para ter em casa e oferecer aos amigos do filho deve ser
uma pessoa muito boa.
Memórias gustativas, memórias
afetivas.
Minha infância e adolescência de
menina que viveu sempre com pouco, não são memórias tristes. São memórias de
solidariedade, de compartilhamento, de amizade e percepção do mundo, por meio
de uma das coisas mais importantes para a humanidade. Pão para quem tem fome. Minha fome era uma fome infantil
e alegre.
Agradeço a todos que a saciaram!