Nesse momento da vida, aos 89
anos, ela ainda tem o mesmo ímpeto de participação na vida social e política
que sempre teve.
A cada 15 dias, vamos até a
Penha, para ver a casinha e o quintal que teve de deixar, por conta da
insegurança. Invadida por ladrões de botijão de gás, TVs velhas e outras
quinquilharias, tivemos de tirá-la de lá.
Na volta, passamos pela Avenida 23
de Maio. Por lá, perto do acesso à Av. Paulista, um grupo de moradores de rua,
usa um ponto de agua, para lavar a roupa, tomar banho. Parece uma mina d’agua.
Parece um cano estourado. Sabe-se lá.
O fato é que faça frio ou faça
calor, eles estão lá. Tentando manter aquele fio de dignidade humana. Um fio
esgarçado, quase arrebentado, como os corpos daqueles homens e mulheres que
vivem na rua.
Há alguns dias, minha mãe vem
esboçando uma carta a ser enviada ao Excelentíssimo Sr.º Prefeito da Cidade de
São Paulo, Sr.º Bruno Covas. Ela sabe usar os pronomes de tratamento adequados.
Vem, no carro, falando em voz alta, como será a carta.
Quer pedir que ele construa um
tanque ou pia, ou coloque um chuveiro para aquelas pessoas. Eu argumento que o
pedido ao prefeito deveria ser outro. Que deveria pedir que essas pessoas
fossem atendidas com dignidade pelo serviço social público. Que ações mais
positivas poderiam ser tomadas pelo alcaide.
Mas, para ela,
e eu entendo perfeitamente, a urgência é outra. Trata-se de ali, naquele lugar
que eles descobriram, pelo menos ali, ela pensa, poderia haver um pouco mais de conforto,
para quem tem uma vida tão miserável. Eu entendo a humanidade do pedido. O “prefeito”
não lerá essa carta. Algum assessor lerá com certa atenção? Quem sabe?
Essa tem sido
atitude de minha mãe, perante a própria vida e a vida social. Ela acredita em
participação. Vota sempre em todas as eleições. Nunca deixou de exercer a
cidadania que tanto lutou por conseguir, na vida de luta por formação,
trabalho...
Olhando seus
guardados, papéis velhos no meio de livros, encontro respostas às cartas
enviadas, em momentos diferentes da vida.
Minha mãe, a “mosca
de boi”, como ela mesma se define, nunca deixou pra lá, quando acreditava na
pertinência do pedido. Foi assim a vida toda e não é diferente agora.
Uma das
melhores histórias é a do pedido de transferência de setor, quando prestou
concurso para trabalhar na USP. Lotada no restaurante, ficou lá uma semana e
logo percebeu que não era para ela. Pediu e foi trabalhar nos apartamentos dos
alunos que vinham de todas as partes do Brasil, para fazer pesquisa de Mestrado
e Doutorado. Lá ficou até resolver que queria mais. Pesquisou, por conta
própria, uma vaga em outro departamento e achou a vaga perfeita na Biblioteca
do Instituto Oceanográfico. Escreveu
carta, elaborada por ela mesma e enviou. Fez a entrevista, diretamente com o
diretor do setor, sem medo. Como ela conta, olhando diretamente nos olhos de
quem, para ela é tão importante como ela mesma. Ficou 10 anos, trabalhando com alegria
e leveza. Fez curso de auxiliar biblioteca, foi fazer inglês, para ler os
títulos que os professores pediam. Esteve onde quis estar, porque não teve medo
de requisitar o que merecia.
É isso, legal né?!
Um exemplo em vários âmbitos da vida...e pensar q viveu em uma época onde ainda reinava o terror às mulheres e suas potencialidades. Grande 👏🏽👏🏽👏🏽
ResponderExcluirObrigada pela leitura, Vânia! É mesmo... ela sempre foi intrépida!
ResponderExcluirUma leitura meio tardia, mas atual para quem conhece Dona Jandira. A sua força e certeza é um exemplo a ser seguido. Sinto-me privilegiada em conhece-la.
ResponderExcluirEu sempre digo que D. Jandyra é minha ídala. E não estou brincando. Uma honra conhecê-la.
ResponderExcluir