quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Amor

 "Que pode uma criatura senão,

entre criaturas, amar?

amar e esquecer, amar e malamar,

amar, desamar, amar?" (CDA)

Ontem, fui ao show de lançamento do songbook de Dori Caymmi. Ao ouvir duas de suas canções de amor na voz de Sergio Santos, cantor apaixonado, me vi apaixonada.

Naquele momento único, me apaixonei - perdidamente - pela voz, pela palavra, pela melodia e chorei.

Sentindo cada nota se transformando em lágrima, comecei a pensar em mim mesma. Na ausência de um amor companheiro, de um amor devotado, de um amor físico e espiritualmente identificado e sentido.

Tento entender o porquê. Foram as muitas noites e dias de leitura? Foram os museus e suas belezas infinitas, retratando os amores reais e fictícios? Foram os poemas que li, naquela quartinho dos fundos da casa da amiga, quando era uma adolescente? Foram os amigos de cabelos longos que conheci nos anos 70? Foram os desconhecidos que diziam coisas lindas, nos encontros inesperados, durante as caminhadas, as viagens, as salas de aula? Foram as canções, cantadas em inglês que nunca entendi de verdade? Foram as flores perfumadas, ao longo da ferrovia?

Onde aprendi que o amor é de uma tal maneira estonteante, que, definitivo, marca a vida e dá sentido a ela?

Todos temos de ter uma amor assim, como o cantado por Sergio Santos? 

Então, minhas lágrimas foram de saudades do que não existiu. "Do que não tem conserto e nunca tera". 

Já estou aqui, num momento da vida em que as coisas todas estão desenhadas pela realidade. Não tem poesia que a transforme.

Não amei, como nas minhas amadas canções.
Não encontrei o amor, como nos meus romances preferidos. Nem sofri como neles.
Não escreverei, ou beberei, ou arrancarei meus cabelos, como nos filmes italianos.
Não deixarei um livro de memórias, para que saibam como amei e fui amada.
Não receberei uma carta de amor.
Não rasgarei uma carta de amor.

Mas, continuo vivenciando espetáculos da arte, imaginados pelo amor. Dori Caymmi, Chico Cesar e Geraldo Azevedo, Matheus Natchergaele, Tchekhov e todos que vocês me veem comentando, compartilhando...

Ah, Drummond, "o que pode uma criatura"?

É isso, amigos! Hoje acordei, toda trabalhada na Emma Bovary.

Caspar David Friedrich - O andarilho acima do mar de nevoeiro



10 comentários:

  1. (..)"Quando não se sabe, inventa-se. E o mais inteligente que o homem alcançou foi a capacidade de amar a mulher, de venerar sua beleza; foi do amor à mulher que nasceu tudo o que é belo sobre a terra".( Gorki). Esse amor que se estende às muitas coisas belas que nos cercam e alimentam a alma como o show de Dori Caymmi. Sempre certeira, Elaine Maria.

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  2. Que lindo, Elaine! Seguiremos Gilberto Gil no Amor até o Fim!!!

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  3. Foi e ainda é, amada muito por nós seus alunos e alunos. Espero que lhe valha cada minuto deste amor....Beijo, querida!!!!

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  4. Anônima: Maria José Duarte da Costa..kkk

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    1. Esse carinho é recíproco! Obrigada, Maria José!

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  5. Que texto foda!
    São tantos os anos de amizade e
    falamos dos amores nossos pela literatura e todas as artes. Dos amores pelos lugares por onde passamos, dos amores pelos filhos e filhas... é tabu falarmos desses amores que estão nas músicas que ouvimos, nos romances que lemos, na poesia que declamamos ?
    A mãe de um primo distante ficou viúva, aos 80. E não é que encontrou um amor do tempo da juventude? Ela no sertão nordestino, ele no pantanal matogrossense. As filhas acharam que a mãe havia inventado esse amor. Quando se deram conta, o amor bateu na porta. E essa história ainda não acabou...

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    1. Que história é essa da tia? Maravilha! Conheço outras assim... Estão nos meus sonhos, nas histórias que me contam. Obrigada, pela leitura, querida Val!

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