Na Rua Coronda nº 35, eu morei os
primeiros anos da vidinha de menina. Era uma casa velha que tinha até um fogão
à lenha no rancho. Quarto, sala, cozinha, banheiro fora, um rancho, onde ficava
o tanque e o tal fogão à lenha.
Aquele banheiro me dava medo.
Parecia que tudo ia desabar. Que o chão ia se abrir e eu ia cair. Não era uma
fossa sanitária, coisa que me amedronta até hoje. Era banheiro com pia pequena,
vaso sanitário, descarga de cordinha, chão de cimento. Tudo ali parecia velho e
encardido. Devia ser mesmo. Casa velha do tempo afonsino. Imagino que o aluguel
era barato para que minha mãe pudesse continuar ali, mesmo depois de meu pai
partir para outras aventuras familiares. Ah, a dona da casa era uma espanhola bastante solidária.
Por que me lembrei do banheiro da
casa velha e de outros banheiros? Afinal...
Hoje, foi dia de faxinar o
banheiro. Lavar esfregar, aromatizar... Enquanto estava na lida, me lembrei da
casa velha, da sensação de medo que hoje aparece nos pesadelos, quando estou um
pouco preocupada.
Lembrei-me do banheiro da Rua
Heloisa Penteado, 190. Casa da adolescência. Também esse era fora do pequeno cômodo e
cozinha e tinha um agravante. Bem menor, tinha de atravessar o quintal para chegar até lá . Era
porta da cozinha com porta do banheiro e a gente passava correndo nos dias de
chuvisco e de frio. Bruuu... tomar banho quente e correr até a cozinha. Quantas
vezes fiquei resfriada depois dessa corridinha? E teve aquele episódio
engraçado da toalha caindo ( porque, às vezes, eu não levava a roupa e me
enrolava na tolha, pensando que a corridinha rápida me salvaria de um possível
acidente )! Vergonha! A vizinha viu! Ai, minha nossa! Chorei, mas passou...
agora, eu rio!
Quando me casei, depois da
Heloisa Penteado, fui morar na Praça da Árvore numa casinha de boneca. O
banheiro era de boneca também... primeiro banheiro dentro de casa! Não era de
boneca porque era bonitinho, mas porque era bem pequeno. Aqueles em que a gente
pode sentar no vaso para lavar os pés, enquanto toma banho.
E quando compramos nosso
primeiro apartamento? A alegria de ver aquele banheirinho azulejado, com box,
separando o chuveiro? Não era mais do que isso. E eu lembro, quando fui arrumar
a casa para a mudança e ri de felicidade ao lavar o banheiro pela primeira vez! Meu banheiro
do meu apartamento – quer dizer, depois dos 17 anos de financiamento, seria meu.
Hoje, enquanto lavava a banheira,
esfregava o box, até os banheiros descritos nos livros que li foram surgindo na memória.
Dois eles, especialmente...
O banheiro do Luis Silva em Angústia, de Graciliano Ramos.
“De ordinário fico no banheiro,
sentado, sem pensar, ou pensando em muitas coisas diversas uma das outras, com
os pés na água, fumando, perfeitamente Luis Silva”.
Graciliano segue descrevendo o
outro banheiro separado por uma parede do banheiro de Luis Silva. Como ele
pensa em Marina, no chuveiro. Que sensação que a leitura me causou. Hoje veio, de primeira, na lembrança dos banheiros.
E o banho que Esmeralda toma,
quando consegue sua própria casinha. Esmeralda é a moça que descreve a vida
difícil de abandono. Esmeralda deu nome ao livro Esmeralda, porque não dancei . Um relato doído, de uma vida sofrida.
“Eu continuava morando na mesma
pensão. Aquilo era um lixo: o quarto fedia à carniça, tinha um colchão
horrível, a cozinha era cheia de baratas. Parecia uma casa abandonada. O
banheiro era horrível, cheio de bichos.”
Mas a descrição do primeiro
banho, que abre o relato é pura alegria. Nunca esqueci.
“Como é gostoso um chuveiro. O
chuveiro vai limpando a gente por dentro e por fora. Nunca tive um chuveiro.
Nunca tive uma cama e uma casa de verdade. Agora, sim, tenho um chuveiro, tenho
uma cama, tenho minha casa. (... ) Hoje tomo banho na minha casa...”.
O banheiro e sua dimensão humana... psicanalítica, social, afetiva.
Então... são essas coisas em que
penso, enquanto faxino meu banheiro branquinho.
Quantas pessoas tem essa mesma
felicidade? Essa mesma sensação de acolhimento e decência que só um bom
banheiro pode dar? Antes de ficar triste, pensando nisso, hoje, só hoje...
quero ficar alegre e dizer que ao terminar a faxina, coloquei uma velinha de
lavanda em cima da pia, tomei um bom banho e resolvi escrever.
A invenção mais importante do mundo proporcionou o descarte mais eficiente de dejetos, diminuindo doenças e aumentando a expectativa de vida nas cidades.
Embora haja registros de latrinas desde 3.100 a.C., a primeira privada foi criada em 1596 pelo inglês John Harington. Ele fez duas unidades: uma para ele e outra para a rainha Elizabeth 1ª.
A ideia não pegou à época e só em 1775 o escocês Alexander Cumming patenteou a privada moderna, já visando o escoamento num sistema de esgoto.
Fonte: Clean: A History of Personal Hygiene and Purity, de Virginia Smith
É só isso mesmo...