terça-feira, 29 de março de 2022

"Não estou aqui para sempre, mas só por alguns anos!", in Escritos da Casa Morta, Fiódor Dostoiévski.

 Inicio, na página 198 da minha edição da editora 34 de 2020, a leitura do excerto final da primeira parte, em que o narrador descreverá a noite de teatro do presídio na Sibéria, já sabendo de antemão que será especial.

Magnífica!

O teatro humaniza e eu amo teatro. Sempre amei, desde aquela primeira vez em que entrei, junto com os colegas de classe do antigo ginasial, em uma sala de espetáculo.

Como professora, vi, tantas vezes, a prática teatral energizar meus alunos, deixá-los felizes, orgulhosos de si mesmos. No ensino fundamental em Diadema, no colegial da Penha ou no ensino superior, sempre uma alegria.

Por isso, também por isso, esse trecho dos Escritos reafirma para mim que mais do que mágico, é um presente dos deuses que reanima nossa humanidade.

No teatro, na cena teatral, há esperança, reflexão, riso, sonho e realidade. 

"Bastou que deixassem aqueles pobres homens viver um pouco a seu modo, divertir-se como gente, viver ao menos por uma hora fora das normas do presídio - e o homem experimenta uma mudança moral, ainda que seja por apenas algunos minutos.."

Quantas vezes, senti em mim mesma essa mudança moral que o espetáculo teatral provoca.

Palco, atores, cenários, música, figurinos, reunidos por um encanto que a arte conjura, nos envolvem e animam.

Nesses dois últimos anos, sentimos falta de muita coisa, de muitas pessoas. A falta de ir ao teatro, do ritual de ir ao teatro é uma das que dói muito.

Falamos, entre amigas, de como será lindo, quando pudermos nos reunir na platéia, juntas, para celebrar o teatro. Escolher a peça, comprar o ingresso, entrar na sala de espera, buscar o programa, observar o público que vai chegando, com os olhares ansiosos; esperar o sinal, sentir as luzes apagarem completamente e no escuro esperar a primeira fala, a primeira entrada da personagem que nos conduzirá por uma história, com a qual dialogaremos ao longo daquela representação. E sair, para o cafezinho, assombradas, querendo falar tudo e não conseguindo expressar quase nada. É preciso de um tempo para que tudo aquilo que se constituiu no palco, se concretize em nossas almas.

Amo essa sensação!

Hoje mesmo, 29 de março de 2022, segundo ano da Covid, comemoro, virtualmente, o aniversário do amigo ator e diretor Samir Signeu. Fico muito alegre de poder parabenizá-lo.

Estamos atuando, como coadjuvantes, uma cena muito pesada. 

Mas...

Tenho esperança em muitas pessoas e muitas ideias.

Tenho esperança. Na literatura. No teatro. Na amizade que congrega esse amor.

E nesses dias sombrios, de tanta iniquidade, abandono, perfídia, penso e digo como Fiódor Dostoiévski:

"Não estou aqui para sempre, mas só por alguns anos!"

É isso







quarta-feira, 23 de março de 2022

Minha amiga Val.

 Este não é um texto bonitinho, que vai homenagear a amiga Val.

Este não é um texto de saudades, que vai lembrar como conheci a amiga Val.

Este não é um texto esperançoso, que vai dizer sobre a amizade bonita e sorridente com a amiga Val.

Este texto vai contar como a amiga Val está indignada.

Ela está indignada porque é professora, leitora, mãe e filha.

Está indignada porque é cidadã, paulistana de chegada, nordestina de nascença.

Indignada porque é moradorada de uma periferia que não acredita que é periferia.

... porque namora a quebrada e sabe que lá a esperança resiste e deveria ser assim em toda a parte.

E porque sabe que não pode confiar. 

Que gostaria de confiar, mas não pode.

Gostaria de confiar, mas não há em quem confiar.

Confiar é um ato forte e a amiga Val está quase sem forças. 

A indignação é pesada e dói.

Como tem resistido minha amiga Val?

Ela é forte como uma mulher. Ri muito como uma mulher da porra que é!

Como quando nos conhecemos e tivemos de descer a serra até Paraty, numa van por uma estrada que nem era estrada mais. 

Ela resiste, vociferando.

Ela vocifera rindo, resmunga rindo, xinga e fala palavrões, deliciosamente, rindo. 

Não é só isso. Vocifera, ri, xinga e fala palavrão, enquanto vive plenamente.

Adoro nossos encontros virtuais, presenciais, oníricos, transcendentais.

Ela me anima, recitando seu poema predileto do dia. 

Me anima, indicando o autor novo que conheceu outro dia.

Me anima, ficando amiga das minhas amigas, virtuais. E com sua força, ela transforma as amigas virtuais em amigas de carne e osso.

Viva minha amiga Val.

Viva minha amiga Valderina Silveira, professora, leitora, namorada, filha, mãe!

Esse não era um texto um texto bonitinho, saudoso ou esperançoso, mas a Val tem essa força.

Ela transforma tudo o que toca.



É isso!