"Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?" (CDA)"Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?" (CDA)
Um dia eu comprei um vestido feio. Era daqueles feio mesmo,
como aqueles que ficam na primeira barraca da feira. A barraca de roupas ( será
que ainda resistem? ), com calçolonas de malha de que vizinha velha velha gosta,
com as calças de lycra, os pares de meia marrom, os panos de prato feinhos, as chinelas falsas, tamancos... Não comprei na barraca, mas parecia. E usei! Essa semana, lembrei disso. Como
eu fiz isso? Por quê? Lembro de mim, atravessando a rua, com chinelinho e
vestida com aquele vestido feio. Ventava e o vestido tinha fendas até o meio da canela. Nunca gostei de fendas. Nem em vestido, nem em calças, como essas que estão na moda. Que estranha é a vida, quando você lembra de
que já usou um vestido feio. Mas, não é só isso. Eu fui a um show de sertanejos
brega, numa churrascaria em São Bernardo do Campo. Isso mesmo. Nesse dia comi
polenta frita e ao lado havia uma família barulhenta. Conseguiram ver a cena? Fui a uma excursão de ônibus, para Peruíbe. Comi lanche ruim, com refrigerante. Fiquei
picada de mosquitos. Tive um LP do Wanderlei Cardoso e ouvia muito. Não é estranho?
Parece uma outra vida.
Hoje, eu não faria nada disso, não compraria um vestido
feio.
Eu ouço música velha, daquelas que ninguém mais lembra. Adoro uma feira. Se pintar, compro no brechó.
Hoje me sinto mais equilibrada, com minha calça preta e
minhas camisetas. Vou a uns shows históricos. Passei tinta colorida
numas mechas do cabelo branco e achei o máximo.
Diga-me o que vestes, o que ouves, o que comes, o cabelo que
tens e te direi quem és!
Será mesmo?
Rosangela sorri para o Presidente.
Jucimara, a de semblante mais ensimesmado, pensa o quê? No momento? Na vida e no dia a dia? Uma mulher sempre pensa.
Raoni sobe, com o olhar de quem já sabe tudo. Sereno. Forte. Emocionante.
O Presidente cuida da Resistência. Olha, para ter a certeza de que sabe para onde ela vai. Resgatada, ela, a vira-lata simbólica, está à frente de todos. Olha para um outro lugar...
Flavio, o artesão, tem metade do rosto escondido pela imagem do presidente. Ele usa óculos. A vista gasta na artesania da vida?
Mais atrás, outro brasileiro de óculos, sobe a rampa num momento nunca antes imaginado. Sua mulher está com ele. Eu queria ser a mosquinha que ouve os pensamentos dele. Tenho algumas hispóteses, mas será que são sustentáveis?
Francisco, o menino de Itaquera, é identificado como "o garoto Francisco". Mas, veja bem. Ele olha para Resistência, tem muito ainda que resistir. Tem sonhos. Sabe que também pode ser presidente. Ele é muito mais que "o garoto Francisco".
Ivan Baron, sorri, de mãos dadas com "o garoto Francisco", usa bengala, um terno com história. Sorri, de óculos, para a Rosangela ou para o Presidente? Um sorriso aberto, valente, feliz, bonito, confiante, forte.
Wesley é metalúrgico. Significa. Tem o semblante sério como o de Jucimara. Olha para frente.
Murilo Jesus está atrás do funcionário do cerimonial. Até quando? Não vemos seu olhar. Haverá um momento, logo depois, que saberemos quem é ele. Mas, nessa foto não. Está atrás. Sei que ele é professor formado em Letras. Identificação e esperança é o que nos move. Me identifico com o professor. Tenho esperança de que ele seja visto.
Todos sobem a Rampa. Uso maiúscula, porque foi uma Rampa especial. Única.
A História terá de lidar com essa Rampa.
Vamos ter de analisar, conversar sobre, replicar a ideia, perpetuar.
A emoção de ver essa foto será sentida todas as vezes em que ela se apresentar.
Emoção e reflexão.
Falta alguém na foto... e isso diz muito a respeito da foto.
Faltou Aline Sousa. Quase não nos damos conta.
Ela irá colocar a faixa presidencial em Lula.
Aline Sousa, subiu de mãos dadas com o artesão. Catadora de materias recicláveis, 33 anos, liderança do Movimento Nacional de Catadoras. Presente!