terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Cárcere privado no Majestic

"(...) Quarta-feira à noite, meu tio Constantino juntava os amigos na cozinha para ouvir O crime não compensa, programa da Rádio Record que dramatizava as peripécias dos criminosos mais temidos da cidade.
De calça curta, eu ouvia com a respiração presa nas aventuras de Sete Dedos, Amleto Meneghetti, Boca de Traíra, Massacre, Pereira Lima, Jorginho e Promessinha, invariavelmente mandados detrás das grades pela diligente polícia paulistana, para provar que de fato a vida no crime não valia a pena.
A licenciosidade do tio que me permitia aquela intromissão no mundo adulto fazia de mim o centro das atenções da molecada no dia seguinte. Eu relatava as histórias nos mínimos detalhes, auscultando as reações da platéia à descrição das fugas espetaculares do italiano Meneghetti feito gato pelos telhados, da destreza de Sete Dedos ao invadir casas alheias de madrugada sem acordar a família e da perversidade atribuída a Massacre, que perguntava se a vítima preferia tiro ou beliscão, dado com alicate no umbigo dos que optavam pela segunda alternativa." (Os carcereiros, de Drauzio Varella)

"(...) Malborough tentou encorajar Proust a sair da sua existência de inválido recomendando-lhe as técnicas de auto-ajuda de Émile Coué, farmacêutico  francês que se transformara em psicólogo popular. Coué dizia que as pessoas poderiam melhorar usando um método de auto-sugestão consciente, em especial pela repetição vinte vezes ao dia da frase: "Dia a dia, hora a hora, fico cada vez melhor." (...) A fórmula não funcionou com Proust..." (Uma noite no Majestic, de Richard Davenport-Hines)

Das muitas páginas que li, escolhi estes dois trechinhos, primeiro porque estava com vontade de escrever um pouco, depois porque gostei do que eles me fizeram lembrar.

Minha mãe sempre fala que fulano é como o Promessinha... só promete e não cumpre nada! E o tal Promessinha existiu mesmo... delinquente dos anos 50, bem quando ela chegou a São Paulo, lá de Santa Gertrudes, moça recém casada. Deve ter ouvido falar dessas mesmas personagens citadas pelo Drauzio. E o nome foi se transformando em adjetivo!

 Ah! Este aqui, não é o Promessinha, de quem não achei nenhuma imagem. É o famoso Meneghetti! 

Gostei do trecho por isso e, é claro, porque gostei muito do livro. Esse epísódio do menino, ouvindo rádio e criando a possiblidade da ficção, é uma delícia. Não é assim mesmo? Ouvimos histórias e criamos as nossas versões, mais cheias de emoção, com mais paisagens, com uma vida que nos pertence e a mais ninguém!




O trecho que grifei do Uma noite... me fez rir. Sempre a mesma coisa, não é? Proust resolve que quer ficar no seu apartamento, escrevendo, escrevendo... só no café au lait, e vem o amigo com a salvação! Deste trecho também vem uma lembrança da minha mãe! Ela tinha uma gravura com a frase : "Hei de vencer!", bem na cabeceira da cama. E adorava ouvir o Omar Cardoso começar seu programa sobre astrologia com a máxima: "Todos os dias, sob todos os pontos de vista, estou cada vez melhor!"

Lembranças que se encadeiam nas minhas leituras malucas, que escolho, conforme o dia, me dão, cada vez mais, a certeza de que "Eu sou eu, foi minha mãe que me fez assim. Quem quiser, que me faça outra, se achar que estou ruim" Ah, ah, ah...


4 comentários:

  1. Escreva sempre, meu bem. É uma delícia te ler.
    Um beijo.

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  2. Nada como "a delícia de ser o que é". Leitura para descontrair e se divertir. Muito bom! Beijos.

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  3. Que bom que gostaram... o objetivo é só esse, descontrair um pouco e exercitar o texto!

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